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Família

A família é o molde da nossa personalidade

Como a influência familiar impacta nos nossos relacionamentos e como é possível ressignificar o que herdamos

11 de Junho de 2025 às 21:58
Da Redação [email protected]
Finais de semana e momentos comemorativos ajudam as famílias a guardar boas lembranças da convivência.
Finais de semana e momentos comemorativos ajudam as famílias a guardar boas lembranças da convivência. (Crédito: Cortesia)

Todo mundo carrega um pedaço da casa onde cresceu. Às vezes, esse pedaço é cheio de afeto, cheiro de comida feita com calma, conselhos que viram bússola para a vida toda. Em outros casos, o que se carrega são silêncios, ausências, feridas que ainda doem, mesmo depois de muitos anos. Mas o fato é um só: ninguém sai da infância ileso à influência da família. Para o bem ou para o mal, é nesse primeiro espaço de convivência que aprendemos, ou não, o que é amor, respeito, escuta, cuidado.

A psicóloga Caroline Holanda explica de forma clara como o nosso ado se reflete em quem somos hoje: “A infância é um chão que a gente pisa a vida toda. Ela continua ecoando na vida adulta até que a gente pare para se escutar e ressignificar. Muitas vezes, achamos que estamos tomando decisões racionais, mas estamos tentando compensar dores antigas”.

A base para tudo

Essa herança emocional aparece de formas distintas. Para o aposentado Daniel Camargo, 70, a família é sua maior referência de vida. “A família, para mim, é tudo. É a base. Meus pais foram rígidos, mas foi uma criação fantástica. Só de olhar, você já sabia o que o pai queria dizer. Levo isso comigo até hoje e o para os meus filhos.”

Daniel criou seus três filhos com base na educação que recebeu e acredita que o que viveu foi essencial para formar sua personalidade. “O comportamento vem disso também, né? A formação, os valores... A família te dá essa base para alcançar os seus objetivos.”

Já a cuidadora Cláudia Regina Correia, 54, carrega nas palavras uma dor ainda recente. “Perdi uma filha de três anos e, agora, uma de 35, com problemas com drogas. Faz três meses. E ainda tenho um filho com câncer, com 16 nódulos. É muito difícil. Entrei em depressão.”

Mesmo diante de tantas perdas, Cláudia reconhece que há ensinamentos que a acompanham desde a infância. “Os pais, naquela época, eram duros, mas hoje eu entendo. Por causa dessa criação mais rígida, a gente vive bem hoje, graças a Deus. amos isso para os filhos também.”

Com um fardo pesado, Cláudia se apoia na fé para seguir em frente, mesmo quando a dor aperta. “Pedimos força a Deus. Só Ele mesmo para ajudar a gente nesses momentos.”

Padrões que se repetem sem que a gente perceba

A psicóloga explica que boa parte dos adultos carrega traços invisíveis daquilo que viveu na infância, mesmo sem se dar conta disso. “Uma pessoa que cresceu em um ambiente onde o amor era ausente ou condicionado pode se tornar alguém que vive em busca de aprovação - no trabalho, nos relacionamentos, nas amizades.”

Muitos desses comportamentos, segundo a psicóloga, não são decisões conscientes. “A gente repete padrões familiares sem perceber. E, muitas vezes, nem se questiona - só vai reproduzindo o que aprendeu, como se fosse automático.”

Romper com esses modelos, para ela, não significa romper com a família, mas com aquilo que já não faz sentido manter. “É possível olhar para o ado com carinho, entender o que funcionou e o que não serve mais. E, a partir disso, construir uma nova narrativa - com mais leveza, mais consciência.”


A escola como espelho

Se a família é o primeiro espelho, a escola é o segundo. E pode ser o lugar onde uma história difícil começa a mudar. A pedagoga Margarete Rodrigues, professora há mais de 30 anos na educação infantil e no ensino fundamental, diz que a escola tem um papel essencial na vida das crianças - principalmente quando o lar não oferece acolhimento. “A escola deve ser o ambiente mais acolhedor na vida das crianças. É onde diversas realidades se encontram. Se houver empatia e escuta, há chance real de transformação.”

Ela explica que é possível perceber, logo nos primeiros anos de escola, quando uma criança vem de um ambiente acolhedor ou disfuncional. “O que ela vive em casa aparece nos relacionamentos. Se recebe carinho, tende a distribuir. Mas também há casos em que a criança se mostra diferente da família - cada um tem sua singularidade.”

Margarete conta que já presenciou histórias de superação emocionantes. “Teve um aluno que chegou pedindo comida, sem banho, faltando à escola com frequência. A equipe se uniu para acolher, organizar materiais, acompanhar de perto. Aos poucos, ele foi mudando.”

Quando a lealdade emocional se transforma em prisão

A psicóloga Caroline Holanda alerta que a influência familiar pode se tornar prejudicial quando nos impede de sermos quem realmente somos. “Quando você sente culpa por pensar o que pensa, medo de se posicionar, vergonha do que sente - são sinais claros de que a referência virou prisão emocional.”

Segundo ela, muitas pessoas vivem tentando agradar, ser o que os outros esperam, por medo de desapontar os pais ou seguir caminhos diferentes. “A lealdade à família pode virar um peso. A pessoa se anula. E aí vem o adoecimento emocional.”

A saída? Consciência. “Romper com esses modelos começa com a consciência de entender o que é seu e o que você herdou. O que você quer continuar repetindo - e o que já não faz mais sentido”, diz a especialista.

As profissionais compartilham a mesma visão sobre a base para criar filhos emocionalmente saudáveis: presença, escuta e respeito. “Mais do que ensinar sobre o mundo, os pais precisam ensinar sobre si. Validar sentimentos, dar espaço para errar, escutar de verdade”, diz Caroline. “O filho escutado aprende a escutar,” complementa.

Margarete reforça que essa criação exige atualização constante por parte da família. “Pais e responsáveis precisam ampliar sua visão de mundo. Buscar diversidade, sair da bolha. Que livros você lê? Que filmes assiste? Que tipo de música consome? Isso tudo ensina também.”

Para ela, a escola e a família devem caminhar juntas. “Falta diálogo. E diálogo é o que garante o bem-estar da criança. São duas partes que precisam se ouvir com o mesmo objetivo: acolher.”

Onde tudo começa, mas não termina

A família pode ser o primeiro lugar de cuidado - ou o primeiro ponto de dor. Pode ser força, ou pode ser fardo. Mas entender o impacto que ela tem na nossa forma de viver, amar, criar e se relacionar é o primeiro o para transformar a história que queremos construir daqui para frente.

“Você não precisa odiar seu ado para mudar seu futuro”, diz a psicóloga. “É possível honrar a sua história e, ao mesmo tempo, abrir espaço para novas formas de viver, com mais leveza, mais verdade e mais liberdade.”

Afinal, como todo alicerce, a família é a base - mas quem define os próximos andares da casa somos nós.

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