Editorial
O desprezo pela transparência

“No primeiro dia de governo, nós vamos fazer um decreto para acabar com o sigilo de 100 anos. O povo deve ver o que estão escondendo.” Essa foi mais uma das promessas de Lula (PT), feitas durante a campanha eleitoral, não cumpridas, agora que está presidente.
Em decisão recente, o mandatário da Nação restringiu o a 16 milhões de documentos sobre acordos firmados com estados, municípios e organizações não governamentais (ONGs), inclusive abastecidos com emendas parlamentares, ampliando, assim, o uso de uma ferramenta que criticou quando buscava votos. Entre os documentos “escondidos” estão termos de convênio, pareceres, subcontratos, planos de obra, croquis, certidões, estatutos, recibos e notas fiscais, dentre outros. Até então, todo esse conteúdo estava disponível ao o de qualquer cidadão por meio da plataforma Transferegov. Agora foram retirados da plataforma.
Por mais que o discurso político evoque promessas de transparência, o que se vê na prática são manobras reiteradas para manter o público no escuro. A recente decisão do governo Lula de impor sigilo de 100 anos a determinados documentos públicos reacende uma discussão incômoda, mas necessária: até que ponto o Estado brasileiro está comprometido com a transparência e a responsabilização de seus atos?
Não é a primeira vez que um presidente recorre a esse instrumento. Jair Bolsonaro, durante seu mandato, usou o mesmo artifício para blindar informações sobre encontros, visitas ao Palácio do Planalto e até dados sobre seu cartão de vacinação. À época, Lula foi um dos mais duros críticos da medida, prometendo revisar e derrubar os sigilos impostos por seu antecessor. No entanto, ao assumir o poder, o atual presidente parece ter encontrado na mesma ferramenta um abrigo conveniente para temas que prefere manter longe dos olhos da opinião pública.
A justificativa para esses sigilos, como de costume, é genérica: proteção da intimidade de pessoas envolvidas, questões de segurança institucional ou simplesmente o argumento da conveniência istrativa. Mas a verdade é que o uso indiscriminado do sigilo centenário é uma distorção dos princípios previstos na Lei de o à Informação (LAI), sancionada em 2011, cuja essência é justamente o oposto — garantir que o cidadão tenha o às decisões, gastos e comunicações do poder público.
Ao impor sigilo a documentos sobre visitas ao Palácio da Alvorada, reuniões privadas e até eventos oficiais, o governo Lula fecha as cortinas sobre fatos que interessam à sociedade. E não se trata de voyeurismo político ou desejo de escândalo: trata-se do direito de todo cidadão de saber como são tomadas as decisões que afetam o País. O sigilo não deveria ser regra, mas exceção — e, mesmo quando justificado, deveria vir acompanhado de critérios claros, com prazos razoáveis e possibilidade de revisão.
Num país marcado por escândalos de corrupção, por práticas obscuras no alto escalão e por uma cultura histórica de clientelismo, cada medida que dificulta o o à informação pública é um o atrás na construção de uma democracia madura. A confiança nas instituições não se impõe com discursos, mas com atitudes. E impor 100 anos de segredo sobre atos istrativos é um gesto que fala mais alto do que qualquer pronunciamento presidencial.
Em tempos de redes sociais e fluxo instantâneo de informações, os governos que apostam no segredo agem como se ainda estivéssemos no século 20. Mas a sociedade de hoje cobra, fiscaliza e, sobretudo, lembra. Sigilos podem durar cem anos, mas a reputação de um governo se constrói — e se destrói — muito antes disso.
O ministro da Justiça de Lula, Ricardo Lewandowski, também decidiu manter sob sigilo todos os documentos que sua equipe produziu para elaborar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública. Estudos, memorandos e notas técnicas reunidos pela Pasta vão ficar lacrados. Os gastos de Janja em suas viagens também estão sob sigilo.
No Legislativo — Câmara dos Deputados e Senado — há movimentos no sentido de se discutir o fim do sigilo — ou, ao menos, diminuir esse tempo. O próprio governo tenta buscar mecanismo para em um ano e meio fazer cumprir a promessa de Lula. O tema vai gerar muito debate e dificilmente encontrará um consenso. Espera-se que o teor dessas discussões entre quem tem o poder de decidir o que é o “melhor” para o País não seja também colocado no sigilo, caso não chegue a lugar nenhum.